EXPERIMENTE SENTAR DE
PERNAS ABERTAS
- entrevista e provocações –
Flúvio
Penaforte, editor do Jornal Nenhum,
andou disperso das pegadas da poeta Giselle Ribeiro, durante esse tempo de
abstinência das suas experimentações poéticas, entre os gêneros literatura infantojuvenil
e poesia para adultos, a autora estreou a escrita de uma trilogia voltada para
a poesia engajada no movimento feminista.
De
lá pra cá os dois livros da trilogia foram publicados: Escola para mulheres safo, 2020 e Mulheres que suspendem o
recreio, 2022.
Agora,
a poeta está no percurso da escrita do terceiro livro ABCdário erótico, previsto para ser lançado em março de 2023.
Na
escrita desta trilogia a personagem Dina se manifestou e permanece convivendo
com a poeta, entregando à ela as nuances do que cabe nessas novas publicações.
As aparições da Dina, na maioria das vezes, acontecem nas madrugadas, ela
acorda a poeta por volta de quatro horas da manhã e entrega os poemas num
impulso tramado pelo inconsciente. Foi esse impulso que inquietou o nosso editor,
trazendo novamente a poeta para o alvo dos refletores do Jornal Nenhum.
A entrevista começa:
Flúvio: Qual o primeiro movimento feito por Dina, personagem da trilogia?
Giselle: Dina, quando se manifestou, de início já avançou como mulher feminista. Ela aparece na cena construindo a escola na qual iniciará as mulheres na revolução erótica. No primeiro poema do livro Escola para mulheres safo, ela faz a matrícula de uma das suas alunas, a mulher de juízo perdido, essa personagem não tem nome e segue assim sendo chamada propositalmente. Por não ter nome, ela caberá em todas as mulheres que quiserem experimentar a libertação do corpo. Naturalmente, a personagem senta de pernas abertas e não usa mais calcinha, enquanto espera a sua vez de ser atendida. Não há nenhuma preocupação com o que possa estar sendo visto pelos olhares externos, a mulher de juízo perdido se desprendeu das tramas da sociedade e volta sem medo para as suas origens, como se ali fosse a sua oca.
Flúvio: Então a trilogia é toda feita de provocações eróticas?
Giselle: Não. A trilogia se mescla com todas as lutas e conquistas das mulheres. Há o erotismo reclamado, mas este precisava ser descascado, se formos olhar para o passado, do mais remoto ao mais próximo, as mulheres são destituídas do desejo. Elas sempre aparecem na história do erotismo como objeto de uso masculino e são educadas para isso. Até os dias de hoje é assim. Veja como era preciso descascar esse ouro. Mas no segundo livro, Dina decretou que o erotismo deveria se recolher um pouco, porque havia demanda das outras lutas, os manifestos aparecem em luz neon: mulheres unidas contra o feminicídio, racismo e outras tantas agressões estão ali no Mulheres que suspendem o recreio, segundo livro da trilogia.
Flúvio: O terceiro livro
promete a retomada do erotismo. É isso que o título propõe? Não é
desconfortante sustentar essa bandeira fincada em um tempo sombrio de misoginia?
Giselle levanta da poltrona em que estava sentada, pede ao Flúvio para levantar também e mudar de lugar com ela. Ele assim o faz. Ela o instiga.
Giselle: Imagine que agora você ocupa o meu lugar no mundo. Sente-se de pernas abertas, você agora está diante de mim e sem calcinha.
Flúvio
se desmonta e se remonta. Ela só o observa. Olha todos os movimentos dele
fazendo-o tirar sua conclusão.
Flúvio: Você esteve recentemente no circuito literário de São Paulo para o lançamento do livro Língua febril, escrito pela poeta Beth Brait, uma publicação da editora Penalux. Soube também que você fez o prefácio e na hora de fazer a sua apresentação a poeta pronunciou sonoramente que você é um dos grandes nomes da poesia erótica e lésbica. Qual foi sua reação? Sonorizar em público o gênero literário que você escreve, traz algum desconforto?
Giselle: Se uma roupa estiver apertada, me incomodando, eu tenho três alternativas: 1. antes de sair com ela devo levá-la ao ateliê de costura para fazer os ajustes, 2. devolver o produto à loja, 3. retirar a roupa e fazer uma doação. Nas três possibilidades eu teria que me deslocar para retirar a roupa do meu corpo dando a ela outro destino. Quem esteve no lançamento do livro Língua febril, percebeu que eu permaneci no local com o mesmo frescor de quem sabe ao que veio.
Flúvio pisca o olho esquerdo e diz com voz baixa:
Nenhuma luta te sufoca mulher. Eu ainda te reconheço pelo hálito!
Eles sorriem juntos. Ela espera que ele beba o chá de hibisco na sala de não estar.