terça-feira, 20 de setembro de 2022

EXPERIMENTE SENTAR DE PERNAS ABERTAS

- entrevista e provocações –

 

Flúvio Penaforte, editor do Jornal Nenhum, andou disperso das pegadas da poeta Giselle Ribeiro, durante esse tempo de abstinência das suas experimentações poéticas, entre os gêneros literatura infantojuvenil e poesia para adultos, a autora estreou a escrita de uma trilogia voltada para a poesia engajada no movimento feminista.

De lá pra cá os dois livros da trilogia foram publicados: Escola para mulheres safo, 2020 e Mulheres que suspendem o recreio, 2022.

Agora, a poeta está no percurso da escrita do terceiro livro ABCdário erótico, previsto para ser lançado em março de 2023.

Na escrita desta trilogia a personagem Dina se manifestou e permanece convivendo com a poeta, entregando à ela as nuances do que cabe nessas novas publicações. As aparições da Dina, na maioria das vezes, acontecem nas madrugadas, ela acorda a poeta por volta de quatro horas da manhã e entrega os poemas num impulso tramado pelo inconsciente. Foi esse impulso que inquietou o nosso editor, trazendo novamente a poeta para o alvo dos refletores do Jornal Nenhum.

 A entrevista começa:

Flúvio: Qual o primeiro movimento feito por Dina, personagem da trilogia?

Giselle: Dina, quando se manifestou, de início já avançou como mulher feminista. Ela aparece na cena construindo a escola na qual iniciará as mulheres na revolução erótica. No primeiro poema do livro Escola para mulheres safo, ela faz a matrícula de uma das suas alunas, a mulher de juízo perdido, essa personagem não tem nome e segue assim sendo chamada propositalmente. Por não ter nome, ela caberá em todas as mulheres que quiserem experimentar a libertação do corpo. Naturalmente, a personagem senta de pernas abertas e não usa mais calcinha, enquanto espera a sua vez de ser atendida. Não há nenhuma preocupação com o que possa estar sendo visto pelos olhares externos, a mulher de juízo perdido se desprendeu das tramas da sociedade e volta sem medo para as suas origens, como se ali fosse a sua oca.

Flúvio: Então a trilogia é toda feita de provocações eróticas?

Giselle: Não. A trilogia se mescla com todas as lutas e conquistas das mulheres. Há o erotismo reclamado, mas este precisava ser descascado, se formos olhar para o passado, do mais remoto ao mais próximo, as mulheres são destituídas do desejo. Elas sempre aparecem na história do erotismo como objeto de uso masculino e são educadas para isso. Até os dias de hoje é assim. Veja como era preciso descascar esse ouro. Mas no segundo livro, Dina decretou que o erotismo deveria se recolher um pouco, porque havia demanda das outras lutas, os manifestos aparecem em luz neon: mulheres unidas contra o feminicídio, racismo e outras tantas agressões estão ali no Mulheres que suspendem o recreio, segundo livro da trilogia.

Flúvio: O terceiro livro promete a retomada do erotismo. É isso que o título propõe? Não é desconfortante sustentar essa bandeira fincada em um tempo sombrio de misoginia?

Giselle levanta da poltrona em que estava sentada, pede ao Flúvio para levantar também e mudar de lugar com ela. Ele assim o faz. Ela o instiga.

Giselle: Imagine que agora você ocupa o meu lugar no mundo. Sente-se de pernas abertas, você agora está diante de mim e sem calcinha.

Flúvio se desmonta e se remonta. Ela só o observa. Olha todos os movimentos dele fazendo-o tirar sua conclusão.

Flúvio: Você esteve recentemente no circuito literário de São Paulo para o lançamento do livro Língua febril, escrito pela poeta Beth Brait, uma publicação da editora Penalux. Soube também que você fez o prefácio e na hora de fazer a sua apresentação a poeta pronunciou sonoramente que você é um dos grandes nomes da poesia erótica e lésbica. Qual foi sua reação? Sonorizar em público o gênero literário que você escreve, traz algum desconforto?

Giselle: Se uma roupa estiver apertada, me incomodando, eu tenho três alternativas: 1. antes de sair com ela devo levá-la ao ateliê de costura para fazer os ajustes, 2. devolver o produto à loja, 3. retirar a roupa e fazer uma doação. Nas três possibilidades eu teria que me deslocar para retirar a roupa do meu corpo dando a ela outro destino. Quem esteve no lançamento do livro Língua febril, percebeu que eu permaneci no local com o mesmo frescor de quem sabe ao que veio.

Flúvio pisca o olho esquerdo e diz com voz baixa:                                                        

Nenhuma luta te sufoca mulher. Eu ainda te reconheço pelo hálito!

Eles sorriem juntos. Ela espera que ele beba o chá de hibisco na sala de não estar.

 

 

segunda-feira, 19 de novembro de 2018


MANIFESTO D'O MENINO QUE ESPIAVA PARA DENTRO

O livro "O menino que espiava para dentro", escrito por Ana Maria Machado  vem sofrendo grandes críticas de alguns "leitores". O argumento não convence de forma alguma quem tem vivência nas profundezas do sentido do verbo Ler. Em nome da incompreensão criada pelo livro surge o Manifesto d'O menino que espiava para dentro e com ele o convite para que o livro seja lido em voz alta, nas praças, ruas, escolas, em todas as escadarias do encantamento.
Boa leitura a todos e a todas.

sábado, 24 de fevereiro de 2018

CONVERSA PARA BOI ACORDAR
(Entrevista com Flúvio Penaforte, editor do Jornal Nenhum)
Poesia para adultos. Poesia para a infância. Contadora de Histórias para adultos e para a infância. Inventora de brinquedos poéticos. Poeta frequentante de Saraus. Mulher. Filha. Amante. Irmã. E coisas e tal. Afinal quem é Giselle Ribeiro?
- Um espirro solto dentro de um coletivo em dia de chuva. Sabe, quando o transporte está todo fechado, abafado e o espirro se espalha pra todo lado. Sou eu. Eu sou um espirro grudante e indesejado para as coisas muito certas.
Hoje mesmo eu li uma mensagem no whats app, me dizendo que eu sou pervertida. Fui ver Pervertida no dicionário:
2. transitivo direto
efetuar alteração em; mudar.
Gostei disso, eu sou pervertida. Eu quero efetuar alteração nas cabeças. Eu quero mudar os conceitos de lugar. Apagá-los, talvez.
Ouvi dizer que teu 2018 tem promessas...
- Eu não sei, não frequento mais igrejas.
Você parece sempre esconder o jogo...
- Eu não jogo. Não na vida, só na poesia. Quanto ao que dizem, você tem sessenta e nove chance de erros. Estou querendo dizer que vem outro livro de poemas eróticos por ai. Um livro que foi premiado. Para a minha surpresa, porque erotismo e voz de mulher é uma questão de não rimar, nem remar nesse nosso mundo feito para os machos. Então, acho que avançamos um passo, um tímido passo. Digo isso porque sempre que vou a um sarau e solto o verso envenenado do amor, tem sempre um achando que eu estou querendo comer alguém, mas eu falo pela voz de muitas. Eu sou muitas. Eu sou o silêncio quebrando o vidro de algum copo de azeitona. Copo de azeitona é bem mais resistente que cristal. Mulheres não são cristal.
Mulheres não são cristal. Você reafirma que é muito mais que uma e eu também ouço falar por aí que você vai publicar um livro infantil? Que faz oficina de brinquedos poéticos para adultos e crianças? Quantas vivem em você afinal?
- Agora eu sou essa que te fala sem poesia. Sou também aquela que não trama uma invenção maior, querendo só ficar quieta no meu canto, até você bater à minha porta para me cutucar. Sr. Penaforte hoje eu deveria não falar com ninguém! Mas já que eu abri a porta... Devo estar nas prateleiras com o Livro ilustrado de poemas desbocados (para adultos) e vou estar em uma nova aparição com um livro infanto-juvenil: A princesa sem dons para tamanha felicidade, pela editora Paka Tatu. Isso porque tenho um bocado de gente me habitando, querendo falar e eu deixo elas e eles terem o direito do dizer de si. Mas é só isso, porque eu sou eu e, boi não lambe.
Você acredita em inspiração?
- Eu acredito em inspiração, tanto quanto em transpiração. Porque escrever poeticamente, para mim, é isso. A gente inspira as coisas todas e depois transpira, joga para fora só uma parte dessa coisa toda. Entende? Alguém me disse que não conseguia mais escrever, já fazia um bom tempo e estava angustiada. Eu fiquei pensando nas nossas experiências com a escrita poética. Achamos que podemos determinar o dia, o tempo. Às vezes dá certo, mas nem sempre. Por uma questão simples, poesia às vezes é hemorragia, às vezes só um acidente vascular, chega de surpresa e é morte certa. É quando ela diz: Aqui quem manda sou eu.
Agora Flúvio, vamos tomar um chá? Cansei de falar.

quinta-feira, 20 de julho de 2017

ISTO EXPLICA


ISTO EXPLICA
Adriane Garcia, p. 23 do livro O nome do mundo, 2014
Não fui a menina dos undergrounds
Das agitações noturnas...
Das leituras insólitas
Dos dionisíacos saraus
Meu campus era o campo
Onde eu cavoucava batatas
E ficava feliz, se raro, era doce
Vivi na terra vermelha
Sem xampu, mamãe tentava
Alisar-me os cabelos
Ver se ficava branca
Eu parecia
Mas havia um banzo

Negra acima de tudo
A alma
Por sorte aprendi a ler
E consegui decifrar as placas
No navio
Cheguei atrasada
Uns mil anos
Para a aula
Sobre Rimbaud.


(resolvi postar hoje esse poema, porque acho saudade um bicho roedor e vim protestar a ausência desta poeta no face book. Aquele espaço precisa de pessoas criativas, sensíveis e inteligentes, na medida do possível e às vezes do impossível.) Pronto. Recado dado.

sexta-feira, 14 de abril de 2017

Livro para ler na Páscoa



Giselle Ribeiro que livro indicar para ler na Semana Santa? 

- A semana não é santa se fazemos da nossa mesa um mar morto. O bom seria sair para nadar entre peixes e sereias. Em vez disso, amolamos o anzol, fiamos a rede e dos 365 dias tiramos apenas uma semana para nos tornarmos santos. Santos que mastigam pedaços do mar, um novo batismo, pensam todos. 

E o livro? 

- Eu ia chegar nele, mas você seguiu pelo atalho. É preciso nadar entre peixes e sereias, foi o que disse antes do atalho.  E se você me provocou eu digo que os bons livros não sobrevivem só uma semana... E seguindo a tradição é bom fazer um retiro e ficar Só com peixes. Uma publicação linda da Confraria do vento. O livro tem cheiro de peixe vivo e água de toda sorte. Adriane Garcia nos prende na sua rede até o último gole do mar, do rio conduzidos por um cardume de Aruanã, Curimatã e Matrinchã até avistarmos o farol.  

Giselle Ribeiro se fosse para estar em uma ilha deserta quem escolheria para estar com você na ilha? Algum nome especial ou preferiria estar só? 

- Só, com peixes. 

Mas o que comer nessa ilha? Alguma carne vermelha para acompanhar a salada? Você gosta de salada como? 

- Só com peixes. 

Pra você antes só do que mal acompanhada? É isso? Você prefere estar só? 

- Só, com peixes. 

Um poema para finalizar? 

- o poema não finaliza. Ele existe para pororocar em nós. Então eu proponho um leve empurrão para dentro do livro Só, com peixes da Adriane Garcia: 

AFÃ DE OUTROS ABSURDOS 

Dê-me estes peixes todos
Entrarão vivos em mim
Rápido os peixes os peixes!
Feito luzes me acenderão
Acenderei para o céu
Feito um cristo
Quero fugir alaranjada
Estou urgente ávida
De um sonho.

Adriane Garcia, Só, com peixes, p.77, 2015.

 

 

 


terça-feira, 28 de março de 2017

Página de Jornal Nenhum

    Entrevista do Jornal Nenhum com a poeta Giselle Ribeiro:
Você tem um livro publicado chamado “69” e vai lançar outro no mesmo gênero. Como é escrever para adultos?
- É com caneta. É com papel. Às vezes no computador; Às vezes com celular. Às vezes na areia. Não tem segredo maior que se despir de algumas amarras e mandar ver. Assim como se escreve os outros gêneros. É preciso compreender que o amor é natural, nos alertou Drummond, naquele livro em nada proibido.
Como você se tornou desbocada?
- Talvez eu não tenha chorado quando nasci e, quem sabe, me deram um tapa na boca e eu desboquei. Há quem diga que eu engoli o capeta. Que eu sou uma vergonha. Que eu não deveria ser convidada para palestrar. Que eu só falo disso. Mas eu falo. Não me calo. E falo de outras coisas também, da mesma grandeza. Falo de viagens em aspiral no “Isso não é um livro. Isso é um caracol” (2014). Neste livro vou me arrastando pelos nossos escombros e derrubando muros.
Ele também tem poemas eróticos?
- Eu já disse que não me calo. Então se no meio de outro gênero, esse aparecer, ele vai dar a sua cara para ser beijada e não mais para baterem. É preciso entender que o amor é natural e que ele aprece em algumas curvas da nossa história.  
Então você se considera uma pervertida?
- Naturalmente.
Fecham as cortinas. A poeta levanta, pega água para beber. Bebe e lava a alma.
Finda a entrevista sem revelar mais sobre o próximo livro de poemas eróticos. Mas sabemos que já está quase concluído.
 

quinta-feira, 9 de outubro de 2014

OUTUBRO ou NADA


          Tiro os óculos para ver pouco. Mas o coração também sabe enxergar. E, para isso, fuga não há. Tapo os ouvidos para não escutar. Mas o coração ouve até mesmo o que se pensou pronunciar.
          E atravessa outubro dentro de mim com o mesmo tempero de tantos outros outubros: pouco sal, quase nada de sabor.

          Vai tristeza festejar o mês vindouro que eu fico por aqui, sentada na porta do céu, esperando a Santa dos infelizes fazer a sua romaria da partida. Vou segui-la, me agarrar no seu manto, protestar, implorar que ela nunca mais volte, vou me fazer de pobre coitada, desejosa de mudança. E se nada disso resolver, vou afundar o meu navio ou quem sabe aprender a nadar?

O ANTIPENSADOR                    

Meu navio está afundando
e eu quero ficar de olhos extraordinariamente
grudados nesta paisagem.

Talvez aprenda a nadar.
Talvez aprenda a morrer.

                  Goselle  Ribeiro, outubro, 2014