terça-feira, 26 de junho de 2012

ENTÃO EU ESTOU GRÁVIDA


                                              Se for pra cantar, eu canto: 

Eu tô grávida.
Grávida de um beija-flor.
Grávida de terra.
De um liquidificador.
E vou parir um terremoto.
Uma bomba, uma cor.
Uma locomotiva a vapor.
Um corredor..

Na idade em que estou, posso dizer que não acreditava muito na possibilidade de engravidar. O fato é que, com 44 anos, tive dois envolvimentos amorosos descontraídos, inconsequentes e irresponsáveis. Assim me permito dizer.

Primeiro fui cortejada e penetrada por um certo Charles. O vigoroso Charles. O homem sedento na água da minha fonte. Homem capaz de ver um hemisfério na minha cabeleira e fazer meus pelos desenharem na minha pele um frisson reconhecido fatalmente pelos amantes.

E Charles sabia que me tinha por interia sempre que mordia prolongadamente as minhas negras e pesadas tranças, ou quando mordiscava os meus cabelos elásticos e rebeldes e me dizia estar comendo recordações.

Depois veio Paulo, atração mais previsível, pois que morando na mesma cidade, nossos encontros passaram a ser frequentes. Até que um desses dias previsíveis, Paulo me levou à sua casa e me apresentou o seu refúgio, com a definição mais inusitada daquilo que poderia ser só uma casa. Paulo me fez ver as costuras discretas do espaço de se morar. Disse Paulo com voz de meu conquistador:

“Uma boa casa não dura para sempre. Casa adora chuva, sol de rachar, ventos e bichos que frequentem seu telhado. As casas vivem e, como nós, morrem. Algumas vivem mais, outras vivem menos. A minha, por exemplo, ainda é muito criança. Ainda resiste em abrir a boca para eu entrar.”

Depois disso, me entreguei a ele sem receios.

E foi assim que eu engravidei aos 44 anos. Gravidez com paternidade incerta. Gravidez de risco.
E desde então, risco no meu caderno alguns nomes de pessoas, de coisas, risco os movimentos da natureza, os gestos humanos e tudo o que meu olho se põe a ver.

Na minha gravidez, eu risco tudo isso formando frases e parágrafos. Nessa minha gravidez corro o risco de saltar do verso para a prosa sem deixar escapar o poema nos traços do novo filho que se faz dentro de mim.

p.s. Alguns trechos deste texto foram emprestados do poema “Um Hemisfério Numa Cabeleira”, do Pequeno Livro de Poemas em Prosa, de Charles Baudelaire. Outros foram extraídos do livro para distração na tragédia, do poeta Paulo Vieira. (a casa. p. 63). Agradeço a Charles e Paulo por me fazerem amante das suas escritas poéticas e assim me engravidarem de Poema em Prosa.

sexta-feira, 15 de junho de 2012

FINITO. SHOW DE ILUSIONISTA É FINITO.



        Em cima do meu telhado tinha ilusionista.

        Eu pouco sabia desse ofício, até que um dia me disseram para olhar para o meu telhado. E foi quando percebi que em cima do meu telhado tinha um par de olhos enormes me vigiando e querendo tudo o que é meu para si.

        Em cima do meu telhado tinha Ilusionista roubando ideias, projetos e até mesmo pessoas. Nunca pensei que pessoas pudessem ser roubadas, arrancadas umas das outras. Mas ilusionista de verdade, sabe roubar quase tudo: projetos, ideias e sabe arrancar uma pessoa da outra sem remorso ou culpa e ainda se diz frágil, sofrido. Essa é a arma de ataque de ilusionista: causar no outro a pena de si. Arma falha, porque a mentira, eu sei, é apenas um lado da moeda, o outro lado da mesma moeda é a Verdade. Arma mais eficaz é a Verdade. A verdade é o lado da moeda que mais me fascina e que eu prefiro lançar contra ilusionista que me vigia dia e noite, noite e dia.

         Em cima do meu telhado tinha ilusionista que fazia trapaça com o pouco que sabia de mim. Sonhava ter intimidade e não media esforço para não acordar do sonho, fingindo não ser o que é: ilusionista.

        Mandei chamar o reparador de telhados para cobrir a fresta e apagar a luz do espaço de foco do ilusionista.  

       Virei a moeda para o lado certo e sentei na porta da minha casa para esperar a calmaria chegar, logo depois das tempestades.