quarta-feira, 18 de julho de 2012

VISITA AO CENTRO DE SI

                                                            Faltam-te pés para viajar?
                                                            Viaja dentro de ti mesmo,
                                                            e reflete, como a mina de rubis,
                                                            os raios de sol para fora de ti.

                                                            A viagem conduzirá a teu ser,
                                                            transmutará teu pó em ouro puro.

                                                                                                    Jalaluddin Rumi

          Todos foram à praia: mãe, irmãos, vizinhos e moradores daquela capital. Todos foram à praia. Para isso foram feitos, para lustrar os olhos dos outros, para regar as aparências, para bronzear a matéria vista. Chamam isso de felicidade, alegria ou coisa parecida. Felicidade para eles é quando a tribo toda se junta para olhar para fora, para a cor da pele, dos cabelos e conferir a etiqueta da roupa.
          Mas havia uma mulher, naquela capital, que se negava o luxo do olhar dos outros e marcou encontro com uma outra que crescia dentro dela. No primeiro dia marcado daquele mês de julho, a outra não veio. E a mulher esperou longas horas roendo o canto das unhas, andando e olhando para o centro de si. Parecia querer arrancar a outra de dentro do umbigo gritando: −Venha logo!
         Passado o dia marcado, daquele mês de julho, a mulher disse para dentro: −Além, hoje está além de mim, me visitar. Olho para a porta de entrada da minha sala de estar, a minha sala de estar mais em mim, mas não ouso entrar. Aprendi a me encontrar e jamais querer me desencontrar. Já dei voltas e voltas pela minha casa interior, pelo lado de fora dela. Hoje minhas portas e janelas parecem fechadas. Mas eu me desacostumei com o lado de fora.
         Desistiu da visita e seguiu na direção do bosque, se perdeu de si.  
         Outro dia daquele mês de julho, inesperadamente se encontraram, as duas. Enquanto todos foram à praia, a mulher foi para um espaço tranquilo, de chão todo azul. E deitada no chão todo azul, foi levada por uma voz que anunciava a direção certa: ponta dos dedos dos pés, pernas, abdômen, costas, ombros, nuca, cabeça, boca, garganta, dentes, língua e tudo o que formava a sua estrutura.
         Subitamente a outra foi reconhecida dentro dela: água de rio, iluminada por uma lua. Ela é feita de água prata correndo no corpo da mulher como um ciclo de evaporação e transpiração. As duas, em uma, atingiram a superfície da terra, bem no meio daquele chão todo azul.
          E houve felicidade do tipo desconhecida pelos que foram à praia.


P.S. VISITA AO CENTRO DE SI é um texto 50% realidade, 50% ficção. Por isso, posso chamá-lo texto de equilíbrio ou Realidade Reorganizada. Texto tecido na noite do dia 17 de julho, depois de praticar Yoga com a Profa. Patrícia Almeida e ouvir a voz que nos conduz ao centro do que somos nós.

quinta-feira, 5 de julho de 2012

O EXERCÍCIO DE SER MÃE

                                          Linda Ribeiro e o exercício de ser mãe


Por que Deus permite
que as mães vão-se embora?
Mãe não tem limite,
é tempo sem hora [...]

Foi isso que um dia Drummond soprou no meu ouvido. E quando se sopra no ouvido de poeta, é só esperar pra ver. De lá, há de sair outro vapor :

Eis o vapor:

Eu estou pensando agora no exercício de ser mãe.

Há semelhanças visíveis em ser mãe de gente e ser mãe de livro?

Eu aposto, todas as minhas moedas, na resposta positiva. Digo isso porque na gestação de livro temos o momento da fecundação dos impulsos que vem de fora para dentro. O que não estabelece interdição nenhuma com os impulsos que vem de dentro pra fora. O escritor literário é tão mãe quanto os outros tipo de mãe. Porque a fecundação, nos dois casos, pode ser de intensa troca.

O que isso quer dizer? Eu não entendi! Pensa o meu leitor.

E eu que vivo o meu mais novo estado de gestação de livro, reintero: na gestação de gente há o momento amoroso, o encantamento do futuro pai com a futura mãe que, algumas vezes  abrigam as suas sensações amorosas e nesse momento de abrigo, o futuro pai transfere o sêmen que enlaçará o filho(a) e este, por sua vez, será gerado no ventre da mãe, ficando lá até chegar o tempo de se aventurar no mundo, do lado de fora.

O que é um pouco parecido com a gestação de livro, pois que primeiro há o enamoramento do escritor com o seu objeto de desejo: a cidade e seus subterfúgios, as pessoas e suas reações diante da vida ou da morte, o país de origem ou até mesmo o país que nunca viu de tão perto, mas sabe reconhecê-lo por outro tipo de aproximação. Os esgotos de cada um de nós, por onde passam a nossa lama ou as nossas praças cheias de verdes árvores, pássaros cantando e brisa mansa. É assim a gestação de livro. É assim que os escritores são fecundados em um impulso que vem de dentro pra fora e de fora pra dentro.

E depois de tudo isso mãe de gente e mãe de livro esperam o dia, a hora, o momento de dar à luz ao mundo que, no princípio, era feito de treva.

Eu não sei quando o primeiro homem se tornou mãe. Mas eu sei que Homero foi mãe, quando engravidou e fez vim ao mundo a Ilíada e a Odisseia.

Para a literatura há caminhos do possível e mulher e homem se tornam mãe.

E é assim que a literatura desafia a ciência.