quarta-feira, 22 de agosto de 2012

NOVO NOME DE BATISMO


Desde tempos, não muito remotos, só vou ao mar com colete salva-vidas. Os medos que tenho me roubam o exercício do novo, mas nem por isso me tiram a sede. Gosto de água como quem gosta de pão quente com margarina qualy, depois das três da tarde. E essa também sou eu.
Se ainda vivesse no tempo de água em pote, pensaria em ter um caso com o pote só para sair abraçada com ele sem grandes estranhamentos, sem que a mim dissessem: Lá vai a louca do pote. E ter o prazer de ouvir: Lá vão o Sr. Pote nos braços da sua bem-amada Sra. Água.

De tanto beber água, eu já teria a confusão do que sou. Eu já seria a fusão do sólido com o líquido, eu já seria água. Se ainda vivesse no tempo de água em pote.

Mas os tempos mudaram e chegaram os filtros e os galões de água. Nem por isso perdi o gosto de beber água. Dou várias voltas do meu quarto até a cozinha, encho o copo me fartando, na tentativa de sair do estado sólido para líquido.

Agora, tenho ensaiado entrar no galão e ficar vendo peixes de toda cor passarem por mim.

Gosto de água como quem gosta de pão quente com margarina qualy, depois das três da tarde. E essa também sou eu.

 

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

O ILUSTRADOR DA EXISTÊNCIA

         
           Leia tudo sobre isso, diziam os ingleses em tempos finais de Olimpíadas do ano 2012 e a cidade toda se fez de papel, jornal, tudo feito de palavras escritas: caminhão, piano, chão. Tudo feito de palavras escritas, prontas para serem lidas.
          Leia tudo sobre isso, repetiam os ingleses mostrando os atletas e suas emoções. O rosto dos tristes e dos alegres, as perdas e os ganhos, o triunfo e a queda e insistem nos dizendo: Leia tudo sobre isso.
          Foi aí que saltou da minha memória uma boa lembrança lida no Jornal de Infância de Anaïs Nin:

           Eu não vou mais ler tantos livros. Agora eu vou ler gente. Agora eu vou ler as pessoas.
      
          Então é exatamente o que acontece com os escritores. Um belo dia eles acordam lendo palavras e fazendo da leitura um vício e passam o resto de suas vidas nesse exercício de ler palavras, gente, bicho, planta, coisas.
         Depois fiquei pensando: Escritor literário tem cara de Cartório de Registro. Os registros de quase tudo desse mundo são feitos nele. E de lá pra cá, ele nos entrega o ofício que nos cabe tão bem, como se nos conhecesse de longas datas e compreendesse o que somos dentro do sistema em que vivemos.
         E quando volto a pensar no assunto, chega até mim uma certeza:
        
         O escritor literário é louco. Graças a Deus.
       

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

PARA TANTA LUZ, A SOMBRA



Há esperanças de que o sol não me alcance. Costumo caminhar procurando árvores e telhados que se estendam um pouco mais pelas ruas e me favoreçam com sua sombra. Nem mesmo em dias de verão, me contagio com o clima de euforia solar que todos se submetem. Acho que não sou todos, por isso procuro a sombra.
Um rapaz  que esperava a hora de ir à praia, me viu em casa numa manhã ensolarada do mês de julho diante do computador e disse:

- Trabalhando, trabalhando, sempre trabalhando.
Eu não medi palavras. Respondi:

- Meu prazer tem outro nome. Você prefere o sol. Eu a sombra.
Tempo ruim pra mim, é tempo de muito sol e quando não encontro uma árvore ou um telhado estendido um pouco mais até a rua, salto da minha bolsa uma sobrinha que se abre para me proteger e avanço pelas ruas no caminho de casa.  

Nasci para a sombra como a luva para a mão.