sábado, 24 de novembro de 2012

APRENDENDO A LER GENTE. PRIMEIRA LIÇÃO.

A leitura do mundo precede a leitura da palavra.
                                                                                         Paulo Freire
 
      Saio de São Paulo com uma boa leitura de pessoas. Foram alguns dias em metrôs, ônibus, ruas, praças, teatro e isso tudo lendo gente. Gente parada esperando o metrô, gente andando nas ruas, gente sentada ou em pé nos coletivos daquela cidade gigante.
    Ler gente me fascina, sobretudo quando estou longe de casa, vejo as pessoas e seus gestos tão díspares da minha terra.
    Na grande São Paulo meu olhar encontra gente em pé nos coletivos e sentindo o prazer de ler. Elas parecem isoladas ou protegidas no lugar em que estão. Talvez seja em outro país, talvez seja em outra cidade, talvez seja simplesmente em um tempo muito futuro para a nossa realidade, mas a verdade é que elas foram transportadas para aquele espaço da leitura e o que era desconforto, se estabeleceu como uma boa morada.
     Por isso, meu alvo agora não é a mulher no ônibus sentada fazendo tricô, ou a outra sentada que me olha neste momento, mas a moça lendo em pé no ônibus, pois ela percebe que chegou o seu ponto, dá o sinal de parada solicitada, caminha até a porta do coletivo para esperar o motorista parar, isso tudo sem desistir da sua proteção e se mantém lendo em pé, na porta de descida daquele coletivo.
    O tempo em São Paulo dá o lucro certo para quem sabe empregá-lo.
    Ah, como eu queria que esse mundo se estendesse até o meu!

terça-feira, 20 de novembro de 2012

SÓ VIM VERIFICAR O PULSO DE SÃO PAULO

                             Essa é a Senhora Jorge B. Xavier como eu imagino

NÃO é verdade que o tempo em São Paulo é uma bomba pronta para explodir. Bem no meio desses dias, tiro uma folha da minha agenda para olhar as pessoas de perto. Em são Paulo tem gente com muito bom humor que ri das perguntas tantas que fazemos. Quando dizemos, por exemplo, a um guarda municipal:

− Moço como faço para bater lá na praça?
Ele sorri do que ouvira e diz:

− Mas o que a praça lhe fez para você querer bater nela?
E em seguida vem uma boa explicação de como chegar ao nosso destino e junto da explicação um riso bem alegre de quem vive muito bem nessa terra, que é gigante.

Viro a página da agenda e nela cabe a Senhora Jorge B. Xavier, de pé a espera do metrô Barra Funda ou quem sabe ainda a procura de uma dignidade. Jamais pensei que nessa viagem pudesse encontrar alguém que saltasse das páginas de Clarice Lispector e coubesse naquela estação de metrô e me sorrisse com discrição e simpatia, tudo ao mesmo tempo.
Eu sabia que a conhecia. Então disse para algumas pessoas amigas que comigo estavam:

− É ela. A Senhora Jorge B. Xavier que me sorriu e sentou bem à minha frente.
NÂO hesitei e registrei a imagem real de uma personagem ficcional.





quarta-feira, 14 de novembro de 2012

DEPOIS DOS NOVE MESES

                                         Diane Arbus
 
          Vês? Ele ainda tem crescido dentro de mim. Suas mãozinhas se movem e me indicam a direção que devo seguir. O coração também já bate. O pulmão sopra notícias vindas bem de dentro, e de fora também. Coisas muito novas e eu me surpreendo.
            Os médicos desistiram do meu caso, acham coisa do outro mundo. E ele gosta das impressões médicas e se mantém dentro de mim.
            Quando penso que ele já vai nascer, ele se espreguiça e dorme um pouco, se preparando para as novas formas que ele vai ter quando nascer.
            Em dias de angústia, ligo para o Carlos, um dos pais desta criança, e ele serenamente me diz:

 O filho que não fiz.
 Fez-se por si mesmo.

           Talvez eu espere mais nove meses.
           Não sei. Eu não mando mais em mim. Apenas tenho essa fotografia que ele me mandou, em um sonho, para me manter tranquila e esperando.


sábado, 3 de novembro de 2012

EU MAIOR; UM FILME SOBRE AUTOCONHECIMENTO E BUSCA DA FELICIDADE.

 

           A EXPERIÊNCIA DA PROFESSORA:
 

          Talvez um dia eu saiba definir com mais precisão e não tamanha emoção, o que representa a literatura para mim.

          O que representa fazer literatura e o que representa trabalhar com literatura. Ela sendo o meu momento de prazer e de sobrevivência.

          É uma pena que uma parte grande da humanidade não possa fazer o que mais gosta, em tempo quase integral.

          Eu digo agora, para vocês, que fui premiada. As leis do universo tramaram para me manterem feliz na vida pessoal e profissional.
 

          O QUE EU CONSIDERO BELEZA?
 

          Deus sabe o quanto de alegria mora em mim quando um aluno ou aluna aprende a respirar sem aparelhos em uma avaliação. Respirar sem aparelhos aqui representa ter maturidade para tratar um assunto e com o devido respeito se dirigir a ele como amigo íntimo.

          Foi assim para alguns alunos quando apresentei um trecho do livro A literatura e os possíveis da escrita literária de Nilson Oliveira e pedi uma aproximação da teoria com um conto de Maria Lúcia Medeiros.

          Isso para mim é beleza.

          Eu tenho assistido a esse espetáculo ao longo desses dias e, confesso a vocês que agora me leem, esse espetáculo me traz a visão de um eu maior. É como se naquele momento presente, diante de um aluno ou aluna que cresce visivelmente aos meus olhos, eu me lançasse para dentro de uma alegria infinda. É como se nós, os envolvidos nesse processo, não passássemos impunes e recebêssemos a força de um vulcão devastando as nossas incompreensões e trazendo, em seguida, a calmaria do dever que parece ter sido cumprido.

         E isso é beleza para mim.
 

        O ÔNUS DA SENSIBILIDADE.
 

        Eu posso lhes dizer que também tenho momentos de muita tristeza, quando um aluno agoniza e pede aparelhos tentando respirar e se perde das linhas do aprendizado. Mas a respiração livre e espontânea do outro aluno me devolve os ânimos e eu não me desespero.
 

        UM APRENDIZADO.
 

        Viver de literatura é sempre um aprendizado. É como se as páginas sempre se permitissem serem reescritas por novas turmas a cada semestre.

         É como se eu vivesse em experimentações de sonhos, longe, bem longe do real. Viver de literatura para mim tem sido um delírio. Um delicioso momento de delírio.

 
p.s. Essa é a minha experiência. Caso queiram conhecer a experiência de Letícia Sabatella e entender um pouco mais o que lhes digo, assista o trecho do filme Eu maior.