quinta-feira, 22 de agosto de 2013

DAS RIQUEZAS DA MEMÓRIA

Profa. Juruema Bastos e Giselle Ribeiro - em setembro de 1993.

                                             “Numa revoada azul de pássaros cantando,   
                                             descem-me ao coração as saudades.”
                                                                                           Paul Verlaine

           Esse mundo bem mais que moderno nos deu de presente “um andar solitário entre a gente”.

          ...mas, eu venho de um tempo em que Ensinar rimava perfeitamente com Amar. E pela ordem natural da história Ensinar e Amar jamais formavam rima pobre, porque o coração era mais esperançoso, dentro dele havia riqueza que não se comprava, porque também não se vendia.

          Eu venho de um tempo em que a primavera parecia morar dentro das Pessoas (Professores) de Letras. Nesse tempo, eu via flores saindo das bocas sempre que de lá Camões se pronunciava pelos olhos e pela voz das Pessoas de Letras e das mesmas vozes saia sempre um “nunca contentar-se de contente”.

          Eu venho de um tempo de NÂO competir, mas de dividir, trocar saberes. E nesse tempo não havia espaço para se sentir Senhor de todo conhecimento, porque o conhecimento naquele tempo, bem sabíamos, era sempre um rio seguindo o seu fluxo e renovando as suas águas.
       
         Desse tempo, eu tenho grandes saudades...

p.S. Em memória da Profa. Juruema Bastos, uma das Pessoas de Letras daquele tempo.

terça-feira, 13 de agosto de 2013

TRUQUES E RETRUQUES DOS BEIJOS DE PAULO

há beijos prolongados que sempre deviam ser dados


          No beijo primeiro fomos mais cordiais. Mansamente ele foi se aproximando e mansamente eu também me fiz ser visto por ele...

          As horas que vieram depois foram marcadas pelo avanço do meu querer devorá-lo: “sugar e ser sugado”.

           Dias depois marquei encontro com ele no mesmo lugar e os beijos eram tantos que uma marcha parecia tocar sempre que a minha língua tocava na língua dele.

          Pedia aos céus para o tempo parar. Os céus não me ouviam. Então esperava ansioso o outro dia. E lá estávamos ele e eu, viciados pelo tempo todo nosso, só nosso. Um tempo todo nosso.

         Sabia que começara a perder a cabeça, porque nada mais tinha tamanho valor. Minha cabeça era povoada por ele, meus cabelos formavam ondas sonoras vindas da voz dele me falando ao ouvido. Um vendaval de frases bem arrumadas, sabedoras do que dizer, de como dizer tudo o que vira nesse mundo tão grande e entregava aos meus ouvidos, na forma reorganizada.

          Outro dia cheguei às margens daquele mesmo rio do nosso primeiro encontro e desejoso dele, procurei:

          − Paulo, você está aqui?

          − Estou no lugar que você me deixou, naufragado nesse estranho coração.

          “e quando limosa
           nuvem forasteira
         alcançou o gigante
                sem cabeça
                    fez-se
              no horizonte
                  a árvore
                  primeira.”

              De beijá-lo e beijá-lo, minha língua ficou viciada da língua dele, do truque dele. E ainda hoje, no retruque dele, insisto acomodar a minha voz. E da primeira árvore derrubada, a minha língua pede para ser as páginas escritas por ele.

terça-feira, 6 de agosto de 2013

QUE GOSTO TEM O BEIJO, A LÍNGUA DE FOUCAULT?

O homem, o touro atrás do livro...

            Sempre soube disso:

          − Ele é bem difícil!

          E para o nosso primeiro encontro me protegi como pude. Usei até óculos escuros, pensando não ter a alma invadida.

          Mas desde o primeiro encontro, ele se entregou a mim como os filhos rompem as entranhas da mãe e caem no mundo.

          Ele não sabia nada de mim. Eu bem pouco dele sabia. E ele foi logo se entregando a mim com suas vírgulas e seus pontos de não parágrafos, suas interrogações sedutoras e embriagantes.

          O que todos me disseram de nada serviu:

          − Ele é bem difícil.

          Fui comedido e medindo os passos cheguei até o impossível para não saber voltar...

          Por Dédalo e Ícaro as palavras dele têm mais de 1300 compartimentos e nelas eu permaneço abrigado e desejoso de nelas me manter como um hóspede, um convidado.

          Então ele acha muito bom me manter preso nas suas palavras e fazer de mim o seu homem, o seu  touro.

          Devo advertir:

          − Fugirei de Teseu enquanto força tiver, porque o beijo de Foucault me reconstrói como touro e me desperta como homem.

         Eu sou a astúcia e a força, o homem e o touro. Sou minotauro e devo ficar preso nas vírgulas e pontos de não parágrafos, nas interrogações sedutoras e embriagantes de Foucault, enquanto não souber voltar, porque amo cada beijo dele dado em mim, sempre que percorro o labirinto das suas palavras.

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

O BEIJO DE AMOR E AS OBRIGAÇÕES DE ANE


        Jamais fui Gustav Klimt, embora naquele dia tivesse me vestido para ser dele, para ser a sua Adele ou um jardim florido feito para mais um retrato.

         Mas naquele dia eu estava deitada entre os lençóis das obrigações escolares, a obediência de te beijar com tempo certo e depois de tudo ter que contar a notícia para uma classe inteira.

          Naquele dia eu preferia ser um quadro na parede da escola. Naquele dia eu queria muito ser só “O beijo” de Klimt ou o “O Retrato de Adele Bloch-Bauer” e permanecer só ali, na parede da escola, insinuando não dizer nada e ao mesmo tempo dizendo tanto.

          Mas sempre fui obediente e me tranquei no quarto contigo e deitados experimentamos nos tocar. Passei a língua nos dedos e extasiada virava os olhos no movimento das tuas páginas também viradas. E com o forte propósito de não mais te largar, para que outras não pousassem os olhos de desejo sobre ti, mantive por todas as horas daquele dia, a porta do quarto trancada.

           Então uma voz, vinda não sei dizer de onde, me empurrou para dentro da tua boca outra vez e tantas outras vezes em um só dia.  De lá pra cá, a voz persiste me dizendo baixinho:

         : havia pouco iniciara-se o namoro e ambos andavam tontos, era o amor. O amor com o que vem junto: ciúme.

        Tudo o que eu ouvia falar de ti guardei em um cofre e joguei ao mar. Tua voz me diz, até os tempos de hoje, que é preciso te provar para te saber. É preciso te beijar como se o mundo fosse acabar ontem, porque viver é urgente. E todos os beijos devem ser iguais ao primeiro, quando a tua boca inundou a minha e:

          De olhos fechados entreabriu os lábios e colocou-os ferozmente ao orifício de onde jorrava água. O primeiro gole fresco desceu, escorrendo pelo peito até a barriga.
          Era a vida voltando, e com esta encharcou todo o seu interior arenoso até se saciar.

         Depois de tudo, eu já fui tantas, mas poucas bocas beijei com o fervor daquele primeiro beijo.