segunda-feira, 25 de outubro de 2010

UM, DOIS, TRÊS, QUATRO, UM DOIS, TRÊS, 43



Passado todo esse tempo, não desconheço a diferença entre o ser e o estar. To be or not be? E para mim não tem “ou”, porque eu sei onde eu estou e sei quem eu sou. Mas em mim doeu bastante esse aprendizado.
Trocar as roupas da pele pelas roupas da alma, pode ser coisa de louco, pode ser só um momento, mas ainda assim vou sendo louca sem escalas em cidades vizinhas da normalidade, para que seja um momento, mas um longo momento de conhecimento, de aprendizagem do que pede e quer ser a minha vida.
Mulher de 43 anos, estatura poética razoável, olhos cor de mel de abelha sem ferrão, fôlego de gato manso e um apetite de paz invejável.
Apaixonada por escritas tortas, casada e grávida de gêmeos...
Eu fui assim ontem, quando tinha quarenta e dois anos. E sou assim também hoje, nesse começo de quarenta e três anos. E fico feliz com o que ganhei hoje, a certeza de uma esticadinha na pausa da minha vida.

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

MUITOS PRATICAM ESPORTE, EU PRATICO AFETO




Quem olha para fora sonha. Quem olha para dentro acorda. C.G.Jung

Fiquei muito tempo sem contato com o admirável mundo do psicólogo Carl Gustav Jung, o homem que me fez descobrir que dentro de mim tem lama e ouro.
Perdi muito tempo da minha vida não me conhecendo, mas as pedras de ouro que estão dentro de mim, começaram a ser garimpadas e lapidadas. E para tanto, precisei de algumas lições de Jung e de alguns sopros de sensatez e profissionalismo da Dra. Sâmia Rodrigues, psicóloga que me atende e me vê com o peso e a medida do ouro e da lama que o meu interior tem.
E foi assim que eu descobri que no fundo de tanta lama, escondia também algumas pedras de ouro, e eu trouxe, só depois de tanto tempo, as pedras de ouro para a superfície da lama.
Como fazer o ouro flutuar sobre a lama?
Esse é o meu mais novo segredo.
Muitos vão às academias cultuar o corpo do outro para tentar agradar sendo igual ao outro, pois que olham para fora e por isso, sonham sempre ser o que o outro, possivelmente, é na sua superfície.
Mas eu segui as linhas tortas desse princípio, entrei na contramão, e enquanto muitos praticam algum esporte, eu pratico afeto. Meu lado mais tendencioso é o da emoção, perdidamente descompensado da razão. Foi o diagnóstico da lama para o ouro.
E quando abri os olhos dentro de mim, eu adquiri o estranho hábito de cultuar a anima. Por isso pratico afeto, porque o afeto para mim é alimento que me fortalece enquanto pessoa, enquanto humana, enquanto mulher.
E foi assim que eu comecei a abrir e fechar os braços sempre que eu encontro quem amo. Eu sei abraçar tanto quanto o garimpeiro sabe garimpar. E reaprendi a lição de Jung. Hoje reconheço o belo de longe e emprestando os versos de Safo de Lesbos, posso até dizer:

Quem é belo
é belo aos olhos
- e basta.

Mas quem é bom
é subitamente belo.

domingo, 17 de outubro de 2010

DOS PERIGOS DA INUNDAÇÃO



Submersa. Coberta pelo mar da alegria. Vez por outra ria, em um só galope, para fugir do dever do discurso público.
Falar de amor pode doer, porque os desafetos, de outrora, não são apagados depois das tempestades. Eles ficam ali, em um outro canto, guardados, anunciando que a vida é um ciclo. Mas a alegria, em mim, prende o fôlego, com a mesma medida da tristeza. Eu sou dos extremos.
E a verdade é que eu fui parar naquela cena sem perceber o papel que me cabia. Por isso fui vestida de outra, não aquela dos cinco dias úteis da semana, não aquela que professa as teorias e fórmulas mágicas dos signos e seus significados, mas aquela que é só mulher e, que por isso, deságua nos encantos do amor.
Treze horas do dia quatorze, com intenções de vir a ser o dia quinze de outubro, a invasão das ondas mornas, já quase quentes de alegria tomavam conta desta mulher desprevenida, a mulher que por hora sou eu.
E ali estava acreditando ser só destinatária dos prazeres e dos rumores de aprendizes encantados pelas fórmulas secretas que o estudo da linguagem lhes oferecia. E apesar das braçadas que com avidez eu dava, aquelas ondas antes mornas, agora quentes me levavam ao fundo das alegrias aquosas do dia e só mesmo o chamado para o discurso público me fazia sufocar, perder o fôlego, rouquejar.
Trazida ao litoral, esqueço que jamais aprendi a nadar.
Dezoito horas e trinta minutos, as ondas voltam a bater sobre meu coração me arrastando novamente para as profundezas do que sou nos cinco dias úteis.
Sobre a minha mesa, uma rosa e um cartão escrito: Para o dia dos professores: um abraço um pouquinho demorado. Volto a me inundar na feliz alegria da profissão escolhida.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

DE NEGRUME O BESOURO BRILHA


Eu ouvi dizer que nos Estados Unidos tem homem-bomba. Eu ouvi dizer que pregos, bolinhas de ferro e pedaços de vidro são embalados junto com a massa explosiva e formam o modelo da jaqueta do homem-bomba. Eu ouvi dizer que a hemorragia causada pelos estilhaços mata mais que o impacto da explosão de um homem-bomba. Eu ouvi dizer que um homem-bomba acredita que está fazendo a coisa certa. Eu ouvi dizer que o homem-bomba pensa que veio ao mundo para limpar a terra da sujeira humana. Eu ouvi dizer que o homem-bomba avança contra a linha de batalha do inimigo. Eu ouvi dizer que os Estados Unidos são os principais fabricantes do C-4, o explosivo plástico que o homem-bomba veste em seu desfile final. Eu ouvi dizer que um homem-bomba consegue ferir pessoas em um raio de até duzentos metros. Eu ouvi dizer que o homem-bomba é também suicida, diz adeus em meio à multidão e saí da linha da vida. E de negrume o besouro brilha...
Eu ouvi dizer que na cidade de Feliz Lusitânia tem homem-poesia. Eu ouvi dizer que de dentro da sua jaqueta saem lesmas, saem facas de duas pontas, pescoço de galo esticado e um osso emendado. Saem ruas sem cor ou corola. Eu ouvi dizer que ele tem olho que tudo vê e quando morde, morde sem dente para a dor se fingir de não doer. Eu ouvi dizer que sendo manhã, noite ou tarde ele escreve para além do que lhe arde. E de dentro da sua jaqueta explode um grito, grito de não matar. Um grito que mais parece, um grito de acordar.

domingo, 3 de outubro de 2010

MAIS UM FILHO DE LAERTE



Dançávamos juntos a noite toda. Eu com meu vestido azul royal, cabelos ao longo das costas seminuas . Ele, com seu ar desconhecido por mim, trajava um smoking e sempre que me fazia girar no salão, a sua mão percorria as minhas costas repetidamente e com suavidade. Era como se ele soubesse que eu já fazia parte dele e quisesse me fazer entendê-lo como tal.
Todas as músicas pareciam ter a mesma nota e a sua mão persistia no pouso e repouso sobre a pele seminua das minhas costas. E do ir e vir que a sua mão fazia, ele tatuou na minha pele uma desconhecida identidade.
Fim do baile. Ele não se fazia mais matéria.
Invisível aos olhos, ele percorria todos os espaços dentro de mim e me dizia para acompanhar agora, a dimensão épica do meu novo enredo. Dar alguns passos ao alcance da espada e armadura, era a ordem dele agora querendo também ser minha.
Avanço montada em um enorme cavalo de madeira. Hoje eu sou Ulisses...