quinta-feira, 9 de outubro de 2014

OUTUBRO ou NADA


          Tiro os óculos para ver pouco. Mas o coração também sabe enxergar. E, para isso, fuga não há. Tapo os ouvidos para não escutar. Mas o coração ouve até mesmo o que se pensou pronunciar.
          E atravessa outubro dentro de mim com o mesmo tempero de tantos outros outubros: pouco sal, quase nada de sabor.

          Vai tristeza festejar o mês vindouro que eu fico por aqui, sentada na porta do céu, esperando a Santa dos infelizes fazer a sua romaria da partida. Vou segui-la, me agarrar no seu manto, protestar, implorar que ela nunca mais volte, vou me fazer de pobre coitada, desejosa de mudança. E se nada disso resolver, vou afundar o meu navio ou quem sabe aprender a nadar?

O ANTIPENSADOR                    

Meu navio está afundando
e eu quero ficar de olhos extraordinariamente
grudados nesta paisagem.

Talvez aprenda a nadar.
Talvez aprenda a morrer.

                  Goselle  Ribeiro, outubro, 2014

 

quinta-feira, 7 de agosto de 2014

O DIA EM QUE EU ENGOLI UMA CHAVE

          Se eu fosse um alfinete, não ajudaria muito, ou quase nada, não ajudaria em nada. Talvez perfurasse a barriga e as palavras sairiam dela escorrendo sem multiplicar os seus significados. Talvez pouca coisa acontecesse nesse globo cheio de água em que eu me vejo agora.
          Disse a chave, um pouco pensativa das suas tarefas ali, no ambiente novo a percorrer.
         Agora, no caminho do laboratório: ultrassonografia, identificar objeto, reconhecê-lo e retirá-lo da barriga. Aproximação da gestação.
         “O filho que não fiz / fez-se por si mesmo” pensa Giselle Ribeiro e se diz esses versos do Drummond. E ela grita, quase silenciosamente para a mãe:
          − Mãe, engoli uma chave e ela abriu a porta para passarem 69 poemas eróticos. Será que já está próximo o dia da minha morte, minha mãe?
         − Possivelmente, minha filha. Nos próximos dias, você terá umas respirações ofegantes, uns arrepios, talvez suores e uns gemidos acompanharão essa hora.  A hora exata da sua “petite mort”. E assim, todos os que se aproximarem destas 69 páginas também viverão o modo francês de gozar a vida.
          E o amor abrirá novas portas.
 

sexta-feira, 25 de julho de 2014

7 DIAS SEMPRE RENOVÁVEIS PARA O ESCRITOR

Não. Não compramos em loja alguma um único dia para o escritor. A escrita escolhe o dia, o escritor apenas denuncia essa escrita.



- É possível definir poesia ou para você definir poesia é crime?

- Encontrar uma ÚNICA definição para a poesia é crime. Uma das coisas que a poesia pode ser, uma casa sonora. Ela é uma grande casa com uma numerosa família habitando seus compartimentos. E cada vez que a família, moradora desta casa, se movimenta a poesia se alarga para caber toda nela. Eu aposto na poesia como uma grande casa sonora porque sei que todas as portas desta casa se permitem abrir pelos seus moradores e fazer deles seus moradores mais fiéis. E eles são fiéis porque foram encantados pela casa sonora. A encantação começa quando o leitor se permite ouvir todas as vozes, todos os sons que a poesia tem para ele. Outra coisa que a poesia pode ser, um guarda-roupa cheio de peças para serem usadas em todas as estações do ano, ou todas as estações do seu tempo emocional: em dias de tristeza ou alegria pura tem poesia certa para vestir. Então entre neste guarda-roupa e experimente o que melhor lhe couber em cada dia do ano.

- Como acontece a criação literária para você que é poeta, com quatro livros já publicados?

- A criação literária pode acontecer como um espirro que lança estrelas para fora do escritor. Depois do dito, podemos imaginar um espaço escuro que pouco, bem pouco se pode ver e, de repente acontece uma invasão de vaga-lumes. Pequenos pontos acendendo e apagando e que dão clareza e ao mesmo tempo escondem clareza do leitor para torná-lo receptor ativo, aquele que terá vontade de acender esses vaga-lumes para saber o que estaria por trás daquela escuridão. Quanto aos três livros que eu publiquei, eles tem histórias diferentes e parecidas, ao mesmo tempo. O processo de criação literária é uma coisa surpreendente, pode ser um momento duradouro para atingir a maturidade poética, o tempo certo do nascer para o mundo. Mas pode ser também um espirro lançando estrelas para o espaço do leitor.

- Objeto Perdido. Esse é o nome do seu primeiro livro, qual o caminho trilhado para se chegar ao título de um livro?

- Às vezes o que dura mais tempo para nascer é o título de um livro, de um objeto que virou arte. Foi assim com o Objeto Perdido. Quando o livro já tinha a formação quase total do seu corpo, a cabeça pediu para ser gerada. E foi em 1997 que recebi uma carta vinda de Paris. Minha amiga e psicóloga Léa Sales estava fazendo um curso em Paris e me mandou de presente uma carta recheada de possibilidades de pensar o título do livro. Na carta eu encontrava explicação freudiana para os nossos conflitos e estava ali o segredo para o título do livro. Por isso o trecho desta carta aparece na contracapa do livro.

- E 69 durou muito tempo para o título ou a cabeça do livro também nascer?

- Eu confesso que não me sinto muito confortável para tratar da pele dos meus livros. A mim sempre parece que o livro quer e deve falar por si. Há leitores que desejam comprar o 69 só pelo título, sem fazer uma leitura proposta desde a capa, melhor dizer, da coluna vertebral do livro. Antes mesmo de abrir o livro, ele já anuncia o que tem dentro dele. A viagem deve começar desde o momento da embarcação.

- Pequeno Livro de Poemas Para Vestir Bem, esse é o título do seu terceiro livro lançado na XV Feira Pan-Amazônica do Livro e parece querer lançar uma nova moda. É isso?

- Eu não digo que é a nova moda, mas uma moda antiga que quer retomar o seu lugar. Houve um tempo, nós o perdemos, em que ouvíamos histórias antes da noite tomar velocidade e se transformar dia. Era o tempo em que a eletricidade não violentava a nossa imaginação, o tempo que se ouvia histórias e se lia também muitas histórias como se elas fossem parte de nós. Era como se abríssemos o guarda-roupa e descobríssemos a roupa como pele nossa. Então, tomávamos emprestados os textos acreditando que naquele momento mágico, o texto nos pertencia e nós pertencíamos a ele. E havia cumplicidade!


- O que você diria para a geração que tem sido violentada pela descoberta da eletricidade?

- Às vezes, é preciso apagar a lua para ver melhor.





 
p.s. Entrevista feita com a dualidade Giselle Ribeiro para o planeta Venus.









 

domingo, 20 de julho de 2014

COMO DESARMAR UM SOLDADO NUM CAMPO DE GUERRA?


 
          Louvado seja Deus que fez descer à terra um homem e duas mulheres. O homem com o coração na mão enchendo de vozes o nosso olhar. As duas mulheres dando luz a cada instante que as suas vozes se soltam e enlaçadas pelo afeto nos prendem nas histórias e nos poemas escolhidos, com cuidado, para habitarem em nós.

           Como desarmar um soldado num campo de guerra?

          Com a alegria de ainda estarmos vivos e podermos sentir a mão do outro suplicante de amor a cantarolar com suavidade e repetidamente:

           “Dá tua mão... dá tua mão... dá tua mão...” e a mão quando alcançada recebe o afago que entra como o sangue, como nova vida, uma vida feita de sonhos, pois eles: o homem e as duas mulheres são Apanhadores de Histórias: Contadores de Sonhos.

           Um homem e duas mulheres, volumes inesgotáveis de força e vontade de resgatar a oralidade e talvez rescrever, em palavras ditas, um livro que não cessa de mostrar as imagens refletidas nos nossos sapatos envernizados, de ponta fina, belos e desconfortáveis. E assim, eles arrancam as nossas dores e alegrias, na mesma medida, as mais escondidas, trazendo-as à superfície e nos tornando mais humanos, outra vez.

           Quem são eles? E quando isso acontece? Eles são Os Cirandeiros da Palavra. E isso acontece sempre que eles entram em nossas vidas e nesse dia, há os que choram e os que riem de um modo novo.

           Tal qual o voo do louva-a-deus que remete ao voo de um caça de combate e tem a capacidade de desviar de ataques de morcegos em pleno voo executando mergulhos. Os mergulhos, por aqui, vêm acontecendo sempre que Os Cirandeiros da Palavra atingem o nosso céu para mudar as nuvens cinzas do nosso tempo ruim.

           Por isso, louvado seja Deus que fez descer à terra esse homem Antônio Juraci Siqueira e essas duas mulheres Andréa Cozzi e Sônia Santos, Os Cirandeiros da Palavra.

           Louvado seja Deus, pois cada vez que Os Cirandeiros da Palavra se entregam a nós, é como se Drummond saltasse das suas bocas e nos dissesse em um único sopro os versos:
       
            "Eu preparo uma canção
            que faça acordar os homens
            e adormecer as crianças”.

           
E nesse dia, há os que choram e os que riem de um modo novo.



  

 

 

quinta-feira, 15 de maio de 2014

DAS RUÍNAS DO NORTE A POEIRA VIRA OURO


MANIFESTO PELO PLANO MUNICIPAL DO LIVRO, LEITURA E BIBLIOTECA DA CIDADE DE SANTA MARIA DE BELÉM DO GRÃO PARÁ
Estamos nas ruínas do Norte, os livros são pedaços de muros destruídos e as pedras são as irresponsabilidades políticas jogadas contra nós. Atingidos, ficamos por um longo período embaixo dessas pedras, quase imobilizados.

Precisamos limpar a poeira dessas ruínas.

E QUAL É O PLANO?

O plano é abrir os olhos para ver melhor o mundo. Pelas lentes embaçadas, pelos limites do olhar sobre a lapela da farda dos coronéis, não poderemos mais seguir quase existindo. Precisamos existir. Apagar o quase e existir. Ainda que os riscos se aproximem, ainda que uma bomba de palavreado estoure nossos ouvidos gritando, dando as ordens de sempre. O Plano é abrir os olhos para as palavras que dormem nos livros. Manter os olhos no foco de um mundo novo e pleno de ideias e jamais nos deixar abater. Avante! Seguiremos avante pelos quatro eixos. Queremos o que nos foi prometido: Democratização do Acesso, Fomento à Leitura e Formação de Mediadores, Valorização da Leitura e Seu Valor Simbólico e Fomento à Cadeia Criativa e a Cadeia Produtiva do Livro. Avante! Avante pela criação da lei de incentivo e promoção da leitura nas ruinas do Norte, para fazer o pó da poeira virar ouro. Avante e, se preciso jogaremos no rio o elixir do gigante!

Assim, a partir de hoje, nesta cidade de Santa Maria de Belém do Grão Pará, neste Polo de Resistência Guamazônica, fica decretado que nossas paredes serão bibliotecas, nossos telhados serão livros de literatura dando moradia à sociedade e nossas cabeças serão o lugar de pensar e de fazer agir o pensamento.

Depois disso, as bibliotecas se construirão também dentro de cada um de nós e teremos vozes para os nossos argumentos.


                                                                 Giselle Ribeiro
                                                              (escritora paraense)













                                                  



segunda-feira, 28 de abril de 2014

GISELLE RIBEIRO EM ENTREVISTA PARA A FOLHA DE SÃO PAULO

                                                                FRAGMENTO ENCONTRADO
entrevista dada ao jornal Folha de São Paulo no ano de 1966 :
- Giselle Ribeiro, você acha que virá ao mundo para fazer o quê?
- Para comer alfinetes, percevejos e tachinhas e perfurar a lógica da existência.
- Você acha que terá alguns seguidores?
- Possivelmente algumas formigas.
- Qual o objetivo mais concreto da sua passagem pela terra?
- Tenho planejado, traçado linha após linha, num plano de dar um nó nos fios dos sapatos do tempo e nos fazer perder a voraz velocidade.
- Uma frase de efeito para o ano de 1967:
- Vou pular, descalça, uma cerca de arame farpado.

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

PARA DIFÍCEIS CONTAS: CALCULADORA


Para onde se vai moço? Em que direção se vai para chegar à linha de frente dessa vida? Não ser confundido com os lobos ou devorado por eles?

Trago apenas essas duas mãos envelhecidas que não foram treinadas para bater, mas para o afago. Por isso, moço, sou eu que sempre levo porrada!

Sente aqui, ao meu lado, me dê mais um trago dessa tabacaria e faça de conta que me vê, que sabe quem sou, porque de todas as certezas em mim tatuadas, há apenas uma que não se apaga, a certeza escrita com brasa e que ainda hoje arde. Essa minha maldita certeza de que:

“Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.”

As pessoas daquele outro lado da rua não me conhecem pelo avesso e pensam me decifrar apenas pelas três primeiras linhas dessa tatuagem. Elas fazem questão de ignorar a última linha escrita, a linha mais dolorida e pesada.

Por isso, moço, eu não tenho certeza da direção que devo tomar. Mas me disseram, e isso já faz tempo, que a chance para encontrar a direção certa é manter o equilíbrio e não deixar o coração avançar na decisão.

Mas o meu coração desconhece a medida, por isso, moço, sou eu que sempre levo porrada!