quinta-feira, 19 de setembro de 2013

ACORDEI COM UMA VONTADE ARDENTE DE TE DELATAR AO MUNDO

Colagem de Geórgia Marques antes de desbotar seus glóbulos
                                                         para ler ouvindo "haja o que houver".
 
          Eu, amiga da tua juventude primeira, pousei meus olhos nos teus glóbulos negros naquele tempo de bem antes, visitei a tua casa, a que vivia teu corpo físico e a que vivia teu corpo poético. E de lá pra cá, o tempo cerrou com lâmina afiada o fio do nosso destino.
         Anos passaram e a minha casa poética esticou os seus compartimentos para abrigar tantos outros nomes: Lya Luft, Carlos Drummond, Manoel de Barros, Ney Ferraz Paiva, Rilke, Cléo Busatto, Marina Colasanti, Clarice Lispector, Lilia Chaves, Affonso Romano de Sant’Anna, Hilda Hilst, Fernanda Young, Viviane Mosé, Paulo Vieira.
         Mas de você quase nada fiquei sabendo ao longo desses anos.
         Outro dia, aquela lâmina cegou e o fio do nosso destino foi aceso novamente.
         Ontem te vi fazendo crochê e tricô e vi também a minha ausência de consolo. O tempo e sua lâmina afiada deixaram teus glóbulos negros ao sol para quarar, por isso essa falta de apetite, essa magreza de alma.
          Hoje vim te alimentar com um chá da folha dos teus glóbulos negros, antes de desbotar, pensando te reinventar:
 
ORAÇÃO AO SUPREMO
 
deus calai
      deus do et caetera
            talvez do infinito
                     deus de longe
                             com fumaça e vento
                                     deixai tombar calcinhas
                                                 diluir carvão
                                                     dúvida dos pássaros
        deus moeda deus
                limpai os olhos
                    de vossas nuvens.
                           
          E te peço, neste nosso novo tempo:
− Geórgia Marques, bebe mais uma xícara do teu chá, sem pensar em parar.
 
p.s.1. ORAÇÃO AO SUPREMO, poema de Geórgia Marques, do livro Glóbulos Negros, 1995. p.47)
p.s.2 Cerrar (com C) simbolizando fechar, quase definitivamente, a passagem da comunicação entre a mulher Geórgia e o seu fazer artístico, pois que nem mesmo a lâmina afiada poderá cortar e fazer verter todo o sangue, a vida poética da mulher Geórgia Marques.

terça-feira, 10 de setembro de 2013

AFROUXANDO OS LAÇOS DA DOR

Geórgia Marques e os laços apertados da tristeza.

          Ela tem uma artista guardada dentro dela, que tirou férias infindáveis.
          E eu NÃO me conformo com isso!
          Ouvi dizer, ao longe, que um dia ela acordou com os olhos escorrendo tristeza por todos os lados e nem mesmo era um dia nublado do lado de fora dela.
          Mas quando cheguei perto dela, minha alegria empurrou a tristeza dela um pouco para o lado. E depois um pouco mais, até fazer a tristeza dela cair no precipício.

          A tristeza dela se desequilibrou e caiu... Plano executado.

         Coitadinha! Com a queda, a tristeza dela fraturou três costelas.
         Depois disso, parecia que o sol brilhava novamente. O sol brilhava dentro e fora dela.
          Tudo porque minha alegria empurrou a tristeza dela.
          Insensível essa minha alegria, não prestou socorro à tristeza dela.
          Por isso, ela voltou a sorrir embriagada com a nossa antiga alegria.
          E então percebo qual a função de ser humano senão dar, ao outro, o ouvido e, quando possível, puxá-lo para bem longe do precipício.


P.S. Texto feito para fazer acordar a poeta e artista visual que mora bem dentro da mulher Geórgia Marques. Porque tem coisas nessa vida que eu não me conformo.