quarta-feira, 24 de julho de 2013

O BEIJO DE PEDRO FECHA OS PORTÕES DO INFERNO

                                     
          Por Hera, guardiã do amor legítimo, quando Pedro me beijou nos olhos a primeira vez, eu vi estrelas, embora fosse uma manhã ensolarada.
          E desde então, cada palavra proferida por Pedro chega a mim como um rio que flui no sentido de um oceano, um corpo de água contínuo e me parte em mares menores. O beijo de Pedro é um oceano quebrando a minha alma.

         Outro dia, Pedro me beijou no período lunar e as estrelas do beijo primeiro de Pedro se multiplicaram em quase mil. Isso tudo porque antes de me beijar deliciosamente, Pedro me disse sussurrando:
               O céu está em verdade aberto, vamos a ele.

          Não sei como chegar até as estrelas sem temor, mas há beijos que nos levam até Andrômeda, Alfa e Beta como se seguíssemos viagem em uma carruagem alada puxada por cavalos de fogo.
          É assim o beijo de Pedro: um seguir viagem na carruagem do rei Sol e cruzar, ponta a ponta, todo o céu.

        Eu já fui mais terrena, mas toda vez que a boca do Pedro se volta para a minha, é como se todos os sonhos do mundo ocupassem a minha cabeça e de dentro dela saísse uma outra voz que diz assim:
        Ainda vou escalar as montanhas e ficar mais perto das estrelas

       E então, é só fechar os olhos e encostar os meus lábios nos lábios do Pedro que todos os sonhos são a minha verdade. E outros sussurros chegam aos meus ouvidos:
       −Suba, vamos para a casa de Andrômeda.

         Montada nas costas da águia, fui até o ponto mais alto do céu. Então, percebi que estava voando pela Via Láctea. Juro que vi Faetonte por lá, com os cabelos incendiados, tentando domar cavalos que soltavam fogo pelas narinas. 

            Tudo isso eu juro que vejo no céu da boca de Pedro. Pedro, quando me beija, me leva ao Cruzeiro do Sul.

          É bem verdade que eu não sei como chegar até as estrelas sem temor, mas nos beijos de Pedro eu faço o caminho que todos fazem, quando beijam com amor.         

terça-feira, 16 de julho de 2013

O SEGUNDO BEIJO OU O BEIJO MOLHADO DA Sra. WOOLF

Enquanto isso, ele beija a Sra. Woolf.
          Era um jovem, um rapazinho iniciante na arte de beijar quando a Sra. Woolf  resolveu ensiná-lo e, abrindo as suas páginas com ardor ela saltou até ele dizendo mansamente:

O Sol ainda não nascera. Era quase impossível distinguir o céu do mar, mas este apresentava algumas rugas, como se de um pedaço de tecido se tratasse. Aos poucos, à medida que o céu clareava, uma linha escura estendeu-se no horizonte, dividindo o céu e o mar. Então, o tecido cinzento coloriu-se de manchas em movimento, umas sucedendo-se às outras, junto à superfície, perseguindo-se mutuamente, sem parar.

         Esse era só um dos sucessivos beijos que ela, a Sra. Woolf, lhe daria. Ele correspondeu, ainda que o vermelho das bochechas tomasse conta de todo o seu rosto naquele momento. Ele correspondeu. Queria muito aprender a beijá-la com amor e assim, perseguiram-se mutuamente.

        E outros tantos beijos foram dados e cada beijo, um novo aprendizado. Foi assim que o jovem aprendeu a arte de beijar com ardor e com amor. Bastou a Sra. Woolf lhe dizer no ouvido e mansamente:

Quando se aproximavam da praia, as barras erguiam-se, empilhavam-se e quebravam-se, espalhando na areia um fino véu de água esbranquiçada.

          Era o beijo molhado de ondas que ela entregava às bochechas vermelhas do rapazinho e o fino véu de água esbranquiçada saia bem de dentro dele.

          Ele aprendeu a arte de beijar com amor. Ele aprendeu a gozar. Enquanto ela, a Sra. Woolf, todos os dias abria as suas páginas para a entrada dele.

          Depois dos beijos molhados desses dias, ele sempre chegava em casa afoito, apressado para largar tudo que tivera nas mãos e se entregar ao abraço dela. E desde então, a Sra. Woolf sabia que enlaçara o jovem e que os outros dias seriam sempre assim, como as ondas:

As ondas paravam e depois voltavam a erguer-se, suspirando como uma criatura adormecida, cuja respiração vai e vem sem que disso se aperceba.

quarta-feira, 10 de julho de 2013

O PRIMEIRO BEIJO


O beijo de palavras
          Eu vou tocar os teus lábios com a minha palavra e a força do meu beijo  vai fazer entrar em ti a descoberta de quem eu sou para ti.

          Eu sou para ti as primaveras todas, os outonos tantos, os invernos tontos e o verão santo que te aquece e ilumina onde luz nenhuma ousou a passagem.

          Eu vou te tocar nos lábios mordendo, mordendo e mordendo, mas sem ferir tanto, porque tigre já fui, hoje sou só o espanto.

          E no passeio pela tua boca, vou ocupar outros espaços de ti: língua, dente, voz e grito. Eu sou para ti só isto: o teu grito.
       
         Eu vou te tocar nos lábios com a minha palavra e se isso, a mim e a ti for possível, será o nosso beijo de almas.
   
         Disse o livro ao leitor.

quinta-feira, 4 de julho de 2013

QUEM DESLIGOU OS VESTILADORES DO CÉU?


          Houve um tempo que, em Belém, se marcava encontro sempre antes ou depois da chuva. Acho que o céu chorava de emoção sempre que as pessoas marcavam seus encontros e seguiam às praças para namorar, conversar. Tempo esse que bem poucos ouvem falar.

          Hoje se ouve falar muito do tempo de não se encontrar. Tempo de se falar sem se ver, sem sentir o cheiro da voz do outro, sem saber que cor tem os olhos do outro, se dos olhos de quem fala saltam mentiras ou verdades.

         Do tempo em que se marcava encontro antes ou depois da chuva, eu tenho guardado na memória o barulho do vento fechando as portas e as janelas das casas ou balançando as folhas das árvores da cidade em que ainda moro. E bem dentro da mesma memória, sei do frescor que o vento nos entregava naquele tempo já quase perdido.

         Quem desligou os ventiladores do céu de Belém? Não pagamos a conta com a moeda certa? O sol por aqui brilha para todos até rachar o solo das nossas emoções. Enquanto isso, andamos muito irritados, quase sempre sem tolerância para os imprevistos, não pedimos mais passagem com as palavras mágicas: com licença e obrigado. Palavras deletadas como o vento de Belém de outrora.
 
        Oh! que saudades que tenho
        Da aurora da minha vida”

E Casimiro de Abreu não sou eu, não sou eu, mas isso é tudo o que por hora me permito dizer.