domingo, 2 de maio de 2010

40 GRAUS




"A cada dia que vivo, mais me convenço que o
desperdício da vida está no amor que não damos, nas forças que não usamos, na prudência egoísta que nada arrisca, e que se esquivando do sofrimento, perdemos também a felicidade."
(Carlos Drummond de Andrade)

Por conta dessa certeza, chego aos 40 anos, costurando sonhos antigos... Lançando vários olhares às pessoas amadas, redescobrindo encantos para ainda, e sempre, mantê-las na minha vida.
Para chegar aos 40 anos, conheci quase todos os rostos do amor : o mais terno, o mais inquieto, o mais voluptuoso, o mais sensato. E, por saber de vivências amorosas, provei a ira, a dor, o desafeto. Tive que reaprender o outro, por força, reformular as aparências e essências, e, assim, por imposição desmedida da ira, vivi os versos de Appolinaire: “La joie venait toujours après la peine”.
Ao longo dos 40 anos, fui adquirindo novas linhas no rosto, novas espessuras na pele e minha alma também se fez mutante. Já fui mais áspera. A ira que me desestrutura é a mesma que me transforma para melhor ver o objeto de amor, e cuidar dele, vou perdendo aspereza e adquirindo delicadeza. Fiz a delicadeza entrar na minha oração poética:
Minha mãe,
não quero ser menos doçura
os homens já se amargaram
quase todos.

As palavras rudes hoje
são sempre
suas declarações de amor,
um discurso público,
uma carta endereçada
ou anônima.

Minha mãe,
não quero ser menos doçura,
prefiro tecer sozinha
os fios da minha loucura.
(RIBEIRO, 69.2007)
A delicadeza, que antes, talvez, dormisse dentro de mim, acorda com fôlego e fome para dizer dos amores que tive e quero alimentar: amor de mãe, amor de amigo, amor de irmãos, amor de amante, amor..., amor..., amor...
E com 40 anos: “Amadurecer foi retirar os rostos e as peles e começar a ver no espelho o verdadeiro eu – onde se lê uma severa contabilidade dos gastos e lucros, saldos nem sempre tranqüilizadores. Quanto de amargura, quanto de bom-humor sobrou, quanta capacidade de se renovar?” (Lya Luft,1996)
Já tive amores que me arrancaram o afeto, o respeito, a busca da serenidade para entendê-los, e, por isso, fizeram-se desamores, ex-amores, agora, doloroso desprezo. E é assim que me faço lembrar sempre e sempre a trama da ira, na escrita de Lya Luft: “Sofrer nos torna melhores”.
E eu quero ser melhor, melhor não em matéria, não em lucro fácil, não em esperteza, porque conheço essa forma de se pensar, de se imaginar melhor, mesmo não o sendo: “Eis que todos são vaidade. As suas obras não são coisa alguma; as suas imagens de fundição são vento e coisa vã” Isaías 41:29.
Hoje, com 40 anos, sou colecionadora de amores, tenho amores que escaparam da convivência, da vida dividida, da aproximação física, mas moram e fazem festa dentro de mim.
E lá, onde todas as estações passeiam, onde a vida é uma máquina acelerada, na cidade da garoa, hoje, mora Jane do Socorro Pereira, amiga de tempos muito antigos, tempos em que podíamos sentar nos bancos de praça para falar de nós e sempre trocarmos palavras de encantamentos literários: Clarice Lispector, Lygia Fagundes Teles, Carlos Drummond de Andrade. Praça do Horto, era o nosso planeta, Chá das Cinco, o nome do nosso caloroso encontro marcado.
Talvez não tão longe, na mesma cidade em que estou, cidade de duas únicas estações: verão e inverno, porém em outra rua, outra casa, mora Gilmara Menezes, fotógrafa por sensibilidade, decifradora de símbolos e dores. Cada encontro, um novo encanto. Por isso, talvez moramos em ruas distintas, para não fazer barulho excessivo em nossas almas, não acordá-las em horas indesejáveis. Há amores que pedem encontro marcado para não correr o risco de desatar o laço que nos une.
Com o mesmo tom, mora, dentro de mim, Danielle Fonseca, Elle, amiga de alma presa à minha, de voz suave, quando fala comigo, artista visual e também poeta. Temos tempestades devastadoras, talvez porque trazemos as dores do mundo, somos poetas, as duas. Mas não nos deixamos naufragar, apesar de todo o amor pelo mar e do medo que tenho dele.
Há, em mim, um amor que é feito de aprendizagem contínua e de encantamento puro: Graça Leal, por esse amor, eu pago a pena de retomar o fôlego sempre que a incompreensão no ofício profissional me abate.
Há, em mim, amores novos, amores que enchem os espaços vazios com novas formas de ler ou dizer poesia: 7 Pecadoras Poéticas, que sempre crescem e, às vezes, parecem nove: Aiana, Danielle, Gilmara, Isabel, Joseane, Lídia, Layra, Suani e Thays. Nomes, agora, gravados em mim e que me fazem cumprir o exercício da delicadeza.
Há outros nomes que não decifrei, porque, dos nomes de amor que carrego, crio sempre um novo texto, da inquietante reconstrução da convivência, que, às vezes, apavora-me, por retirar a força do encantamento e me lançar imagens distorcidas, enigmáticas para decifrar e, novamente, fazer- me enamorar...
Mas, do amor de amante, eu reservo minha fala, porque, aos amantes, foi determinada a missão de serem sempre cúmplices, senão, não seremos mais amantes.
Aos 40 anos, decifro os nomes dos grandes amores como almas cativas e, assim:
“No âmago de tudo, claramente
Eu descubro um espírito a cismar.”

Giselle RIBEIRO, 28 de outubro de 2007.

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